maio 10, 2011

Capitulo XX

Lembra-se bem do dia em que Rocky, o seu professor, lhe mostrou uma ilha que ele tinha construído. Onde a levou a passear por entre as árvores carregadas de frutos, flores multicolores e apresentou-lhe os únicos habitantes daquele sitio, alguns animais.
- Os macaquinhos, que lindos…
- Ainda não viste nada!...
- E coelhos, passarinhos… e até uvas!
- Já viste o que está naquela árvore?
- Não, onde?
- Aqui, aproxima-te, devagar que ela pode morder! Ah, ah, ah.
Após Alex dar uns passos em frente, na direcção do seu amigo, ela depara-se com uma enorme serpente enrolada no ramo da árvore, abrindo a boca e esticando a língua.
- Que horror, parece verdadeira!
- É a serpente da tentação!
- Ai é? Está mesmo bem feita!
- Pois, olha que morde! Ah, ah.
- Ah, então já comeu a maçã? Pois não existe! Ah, ah.
- Há laranjas, é parecido, não achas? Ah, ah, ah.
- Pois, é igualmente fruta! Ah, ah.
- Claro, ah, ah, ah.
- E uvas, também! Ah, ah.
- Anda ver o resto…
Continuaram mais um pouco, onde encontraram alguns lagartos, pelo caminho e no meio das ervas daninhas, quando chegaram à entrada da terceira e última gruta, sendo a mais pequena e mais acolhedora, após a contemplar, disse ao entrar:
- Esta é a minha preferida!
- Aí é?
- Sim, parece que estou no paraíso!
- Então marca-a como tua casa…
- Porquê? Não vale a pena…
- Vale sim, para namorares, por exemplo, ah, ah, ah…
- Ah, ah, ah, mas já tenho casa…
- Ficas com mais uma.
- Está bem… o chefe manda!
- Se é desta que tu gostas… é tua… sua peste!
- Oh, é linda, com esta água toda a cair em volta.
-Sabes que este sítio, esta ilha, é só para pessoas especiais, e tu és uma delas.
- Obrigada, vou já vesti-la ah, ah.
Alexpinheiro colocou um grande tapete, com algumas posições de sentada e de relaxamento, no centro da gruta, pois era o único sítio, onde, havia um pouco de terra mas o suficiente.

Rocky observou-a, atentamente, e depois de ela ter acabado a tarefa, sentou-se e disse.
- Muito bem, gostei de te ver trabalhar, estas a ficar uma próf.
- Achas que sim? Bem que podia saber mais, mas não era esse o meu principal interesse.
- Pois, mas o saber nunca ocupou lugar.
- É verdade, mas também estamos sempre a aprender…
- Pois, ah, ah, ah…



No primeiro dia de Outono, a tragédia bateu-lhe novamente à porta. O seu grande amigo, companheiro e confidente, da vida real, deixou este mundo, depois de uma doença complicada e prolongada. Vítor Gomes apagou-se desta vida mas a chama da sua amizade e do seu optimismo viverá para sempre no coração e na memória de cada um de nós. Ele ficou, completamente, prisioneiro do seu corpo, mas a sua capacidade de aceitar e ver o lado melhor, da vida, faziam dele, um verdadeiro vencedor. Sempre com o seu sorriso e o bom humor consegui contagiar o optimismo, por vezes, inaceitável pelo próprio, mas infelizmente era assim. Como ele dizia muitas vezes, e o que era a pura verdade: a lucidez é talvez o meu maior sofrimento… e era de certeza… No dia seguinte, ao seu funeral, escrevi esta carta:

Hoje, sem me aperceber dirigi-me, para o quarto, que agora permanecia vazio e de porta fechada. Era como, habitualmente eu fazia, quando procurava e, principalmente dava, apoio e companhia, a essa pessoa tão especial para mim, e para a maioria das pessoas amigas. Pois no seu rosto habitava sempre o sorriso e a boa disposição. Tinha sempre uma opinião positiva ou um conselho amigo e saudável para oferecer a quem dele precisasse.
Apesar de ser completamente prisioneiro do seu corpo, a sua mente permanecia sã, e ele orgulhava-se em demonstrar esse facto. Pois a capacidade que ele possuía em analisar todas as coisas e tentar explicar, um pouco, a sua maneira de encarar a vida faziam dele uma pessoa excepcional, como existem muito poucas.
Foi ontem, ao princípio da tarde que, seu corpo foi devolvido à terra. Sim, era mais uma pessoa muito querida, que me deixava, afastando-se de mim para sempre. Infelizmente, sempre que perdemos alguém fica um vazio, como se nos abandonasse uma parte de nós. Pudemos passar por, várias situações semelhantes, mas nunca é igual, simplesmente porque cada pessoa possui o seu lugar no nosso coração e na nossa vida.
Mas pensando melhor, ele não me deixou para sempre, ele simplesmente se libertou, dessa prisão corporal, para melhor cuidar dos entes queridos. Sim só podia ser isso, porque ele continuava presente, embora invisível. Só ele sabia, o lugar que cada um de nós possuía no seu coração e eu acredito que ocupei um dos maiores, tal como ele no meu. Pois eu fazia os possíveis para o ajudar, ao pensar que se fosse o contrário ele também o faria.
Recordo-me bem que um dia ele segredou a alguém dizendo, que eu era o seu pulmão direito, ou seja era como, o oxigénio que o ajudava a viver. Mas, infelizmente, o pulmão cansou-se de adquirir o oxigénio, e parou, para sempre. Eu senti-me completamente impotente, sem puder fazer nada nem sequer encontrava palavras para exprimir o que sentia. Mas isso também não era o importante, pois só ele sabia o significado desses sentimentos.
Conversávamos tantas vezes, sobre todas as coisas da vida, recordações, preferências, dividíamos segredos e até do futuro falávamos. Isso, graças há forma que eu descobri, vendo-me obrigada, a achar uma solução para ele comunicar, principalmente comigo, e foi graças a essa maneira, que esse método se fez enriquecer pouco a pouco.
Os dias passam mas a saudade fica, por tudo isso, Vítor, não te esqueças de mim. Do que nos prometemos para ficarmos juntos, para sempre…
Se todos nós somos diferentes, seja na maneira de pensar, de aceitar, de achar ou mesmo no modo de encarar e ver as coisas, essa diferença pode chamar-se de “dom”. Vitor Gomes, nasceu com esse dom, pois ainda estava no tempo da escola obrigatória, a que para ele não era mais que um prazer. Já nessa época era um aluno exemplar captava todos os pormenores ou detalhes mais importantes. Era um verdadeiro amante das letras e da cultura em geral e esse facto foi-o demonstrando nos poemas ou textos que gostava de escrever.
Entre os dezanove e os vinte anos, após a sua doença ser diagnosticada, não existem palavras para descrever o que sentiu, porque só quem vive na pele uma situação idêntica consegue dar o verdadeiro valor. Pouco a pouco, Vitor foi piorando, foi perdendo a voz e todas as suas capacidades motoras, mas, mesmo ficando prisioneiro do seu próprio corpo, nem por isso perdeu o gosto pela escrita ou pela vida.
Apesar da situação em que se encontrava, Vitor nunca abandonou o sorriso sincero e, unicamente, pelo olhar, conseguia transmitir o lado positivo e optimista da vida. Carinhos ou brincadeiras acompanhavam sempre o seu rosto sofrido. Foi só nos últimos dias, que perdeu a capacidade de sorrir, mas no coração e na memória de cada um de nós, sorrirá e viverá, para a eternidade…

O coração obedece, quando os olhos recusam ver…

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