maio 10, 2011

Capítulo I

Estávamos no meio do Verão, no final de uma manhã quentíssima e calma, mas que no fundo, se tornava incomodativa. Era a tarde de uma segunda-feira, como tantas outras.
Continuávamos em pleno mês de Agosto e, como era normal nessa época, o tempo permanecia demasiado quente e abafado. Embora também nublado, por causa do imenso fumo existente.
Um ligeiro cheiro a queimado, que provinha dos imensos fogos por todo o país, encerrava ainda mais esse sopro quente. O qual se fazia sentir um pouco por todos os lados.
Alexandra, na sua blusa de alças cor-de-rosa e calções de ganga, de um azul-escuro, depois de entrar na pequena sala, onde permanecia o seu computador juntamente com outros dois, da casa, dirigiu-se imediatamente, empurrando a sua cadeira de rodas, para a abertura que ali permanecia.
Quando alcançou o trinco da única janela, dessa sala, e depois de fazer um pequeno esforço para a abrir, respirou fundo, pois ainda pairava no ar um pequeno cheiro de tinta fresca. O qual se tornava insuportável com aquele bafo quente.

Alexandra curvou-se um pouco para a frente, com a única intenção de sentir a suave e leve brisa no seu corpo suado. Aquele mesmo ar que, embora abafado, não deixava de ser gratificante. Também o mesmo que, indesejavelmente, colava o seu físico ao tecido um pouco áspero da sua cadeira de rodas, provocando-lhe, infelizmente, um grande desconforto.
Sorriu para si mesma, ao lembrar-se do comentário ouvido pouco tempo antes. Agora, com os seus quarenta anos, era chegada a altura de regressar à sua adolescência… Ou, provavelmente, a de reaver, os momentos que deixou escapar, sem desfrutar da altura certa nem do privilégio, nem mesmo das possibilidades, de os agarrar.
Uma segunda vida esperava por ela, ou melhor, uma outra forma de encarar o futuro com novas oportunidades. Expectativas, ilusões e até mesmo descobertas viriam ter com ela, e Alexandra continuaria ali para as albergar, respeitar e descobrir, mas questionava-se, constantemente, se seria bem assim…
Embora Alexandra achasse interessante esses novos desafios, a notícia, porém, não a deixou minimamente interessada. Não, não era agora que aceitaria uma novidade totalmente desconhecida em todos os aspectos, dizia-se ela convicta em recusar. Porque, embora ela soubesse que estamos sempre a aprender sentia-se bastante desiludida e triste com a vida. Sabia também que nada nem ninguém tinha a culpa da situação em que se encontrava. Sim, pois qualquer pessoa está sempre sujeita a alguma coisa, em quaisquer circunstâncias e, muitas vezes, quando menos se espera…

À hora anunciada chegaram as pessoas previstas, algumas das quais eram já suas conhecidas. Pertencentes à empresa que a ajudara a adquirir o computador portátil, algo deveras ambicionado por ela. Pois Alexandra adorava escrever e esse desejo tornar-se “possível”, ou seja, muito mais fácil de concretizar, com a ajuda necessária. Porque, ao saber que uma parte do seu sonho poderia ser realizável, já se considerava plenamente satisfeita.
Ela também era conhecedora que, embora a vida lhe tivesse fechado a porta principal, em algum lugar existiria uma janela à espera de ser aberta. Alexandra sentia-se competente e corajosa para procurar esta oportunidade de dar um rumo, o mais positivo possível ao destino, que embora fosse intolerável, era o seu.
Eles puseram de imediato o projecto em movimento: queriam dar a conhecer uma nova forma de vida ou, talvez, fazer despertar o interesse por uma outra maneira de encarar o futuro, ou até mesmo de o saborear mais docilmente.
O primeiro pensamento de Alexandra quando viu o conteúdo daquela pequena caixa foi: para que quero eu uma segunda vida se a que tenho me é mais que suficiente?
Sim, para quem tem uma linha de vida repleta de altos e baixos, cheia de pontos de interrogação e demasiado séria, não é fácil aceitar a ficção ou, talvez, o outro lado do sonho. Aquele onde tudo é fácil e possível e onde não existem pesadelos nem barreiras para fantasiar, mas única e simplesmente ilusões para descobrir…
A curiosidade de Alexandra tentou despertar quando se deparou com o conteúdo da maleta posicionada à sua frente. Como era possível algo tão pequeno conter tanta coisa? Numa única tecla existiam milhares de funções e cada função continha centenas de utilidades diferentes!

Mas quando, logo de seguida, Alexandra viu o desenrolar daquele “programa”, que mais parecia um filme em banda desenhada, onde os protagonistas, os actores e os dirigentes eram comandados pela mesma e única pessoa, foi aí que achou que o seu interesse se queria mostrar, pois nada tinha a perder, pensava ela. Para quem já perdera o mais importante da vida, ou seja a saúde, todo o restante permanecia secundário…
Sim, talvez, ela ficasse só a ganhar novas formas e oportunidades de encarar a realidade e, ao mesmo tempo, enriquecê-la um pouco mais. Possivelmente encontrasse outras opções, expectativas, descobertas, amizades e conhecimentos, pois nunca é tarde para aprender, nem mesmo ensinar…
Mas, apesar de tudo, Alexandra não encontrou grande motivação nesse novo e fantástico mundo, ou unicamente não queria deixar-se comandar por algo diferente. Porque no fundo, já era comandada por alguma desigualdade…

No final do primeiro dia da semana alguém lhe perguntou qual a sua opinião sobre o que acabara de ver e, também, se estava preparada para receber uma segunda vida. Pergunta à qual ela respondeu com outra pergunta e um sorriso:
- Não deixa de ser interessante esta outra face da vida, mas para que desejo eu uma segunda existência, se aquela que me foi destinada me preenche completamente?!
A lógica permanecia, mas a dúvida estava à espreita. Porque não tentar esta oportunidade? Dizia ela, ao mesmo tempo que continuava o seu comentário:
- Claro que ninguém é igual e ainda bem, senão esta vida seria ainda pior e mais severa. As opiniões dividem-se, os sentimentos variam e os pensamentos partilham-se. Mas, no fundo, se formos a analisar bem as coisas, fica unicamente a parcela da amizade e a carência de comunicar com os outros, ou mesmo a necessidade de sermos ou sentirmos um aconchego.
A curiosidade que teimava em querer abrir a porta ao interesse já se fazia notar, mas Alexandra recusava querer asilar a aposta de abrigar mais uma novíssima possibilidade: aquela de lembrar que da ilusão e do sonho também se vive. Ou, única e simplesmente, imaginar as oportunidades que não tiveram a sorte (e quem sabe se o infortúnio) de as agarrar no tempo adequado.

Alexandra interrogava-se, com a dúvida a querer mostrar-se: Sim, porque não tentar? Nada me impede e, pelo menos, seria uma forma de agradecimento ao empenho deles, em quererem adicionar um tempero mais dócil a esta vida, que, na maioria das vezes, se torna deveras amarga.
Como tudo pode ser possível, basta nós dar-mos asas a nossa imaginação, ou nascermos novamente num mundo ilusório. Para ter essa possibilidade, eu queria nascer de novo.
No final dessa mesma tarde Alexandra fez um resumo de tudo o que vivera, nesse primeiro dia, na nova oportunidade que se estava abrindo à sua curiosidade e à sua capacidade de enfrentar o dia de amanhã.

Efectivamente é algo que depende só de nós e da nossa maneira de encararmos o futuro e, obviamente, também da decisão de agarrarmos as opções que nos foram e serão sempre oferecidas.
Alexandra sem querer acolher a pouca diferença positiva, que já sobressaía involuntariamente e se estendia à sua frente, achou melhor dormir e não pensar mais nesse assunto. Pois, outros dias, talvez melhores, estariam para vir.

Se os sonhos ajudam a viver, não os aprisiones para a realidade, transformando-os em pesadelos…

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