maio 10, 2011

Capítulo II

Na tarde do terceiro dia, ou seja, na quarta-feira, dessa mesma semana, como prometido e à hora marcada, regressaram os promotores do novo projecto “recrear”. O desinteresse de Alexandra, apesar de ainda continuar, já possuía uma pontinha de apetite para desvendar algo mais.
Então, deixando de resistir e mostrando-se um pouco mais receptiva, aceitou esse primeiro desafio. Alexandra queria “dar a si própria” a possibilidade de experimentar até onde chegava o seu interesse e a sua coragem: estamos pois, constantemente em tempo de aprender, seja de que maneira for, dizia-se constantemente…
- Com que nome desejas baptizar a tua própria representação ou, melhor, o teu “Avatar”? Podes inventar a alcunha de um outro nome, se o preferires. Ninguém é obrigado a dizer a verdade.
Assim, viu-se ela, inesperadamente, confrontada com esta pergunta e à qual respondeu imediatamente, com um sorriso e num tom de brincadeira:
- Pode ser Alex, pois é o diminutivo do meu verdadeiro nome, além de Pinheiro. Também, para as vezes que tenho intenção de lá entrar, chega-me perfeitamente. Prefiro não mentir e depois se conseguir levantar voo já me considero satisfeita.


Após escolhida, a futura imagem, ela sentiu a liberdade de comandar os primeiros passos da sua ”segunda vida”. E, assim, com gosto aventurou-se, seguindo atentamente as instruções da pessoa que permanecia ao seu lado: carregava numa tecla e avançava, carreg ava numa outra e recuava, mais uma e levantava voo e, assim, sucessivamente.

Mas Alexpinheiro achava-se esquisita, ali dentro, com uma aparência feia, sem personalidade, aspecto nem cor, mas dizia que também era o menos grave. Porque a aparência, física, era o que menos importava, fosse ali dentro ou noutro lugar. Quando ele lhe propôs mudar o tom de pele, ela ficou um pouco mais vaidosa, feminista e até com mais confiança nela própria. Apesar de ter escolhido uma pele normal e simples, sentia-se mais optimista e de feições mais perfeitas.

O “Professor”, como ela lhe passou a chamar, após ter instalado o programa dentro do seu computador, levou-a às compras e deu-lhe a oportunidade de escolher um pouco de tudo: desde a cor dos olhos às roupas. E, achando essa experiência interessante, deixou-se contaminar…
Pouco depois, sempre dentro do programa, ele chamou-a, ou melhor deu-lhe “TP” (tele-transporte). “Tele-transportou-a” para um maravilhoso jardim, feito em três dimensões. Não deixava de ser lindo: parecia verdadeiro com flores e cores perfeitas. Viam-se as borboletas a voar, ouviam-se os passarinhos a cantar optimamente e até o vento, algo invisível, acariciava as folhas das árvores.

Alexandra gostou de experimentar o que sabia ser irreal, ou somente ficção. Sabia também que, por trás de cada imagem, havia sempre alguém que a comandava, existia sempre um ser humano, com todos os seus defeitos, virtudes, sonhos e qualidades.
Igualmente, com todos os seus sentimentos, fossem eles bons ou menos bons, suas mentiras ou verdades, mesmo, como aquelas, escondidas ou vividas na obscuridade, mas com as emoções comandadas constantemente pelo coração.

Nessa noite, depois do jantar e como era seu costume, Alexandra refugiou-se na pequena sala defronte ao seu computador. Pois era o seu lugar preferido, aquele onde se deliciava a escrever com a inspiração e a tranquilidade adequadas. Além de ser um dos poucos sítios habitados pela paz era onde podia escrever sossegada, quer fossem pensamentos, poemas, pequenas histórias ou até mesmo, certos romances os quais, infelizmente, nunca veria editados, só porque não tinha fama, nem possibilidades económicas e muito menos a saúde vivendo nela...
Sim, na localidade onde residia, já sendo o seu lar, era realmente complicado descobrir momentos e locais de descontracção, embora isso parecesse possível, a complicação permanecia. Porque o que parece muitas vezes não é, e o que na realidade é, certas vezes passa despercebido…. Mas a única certeza existente nesta vida, é que tudo permanece incerto.
Infelizmente, os vários e constantes gritos provinham dos muitos tipos de doenças das pessoas que lá existiam. Os mais variados problemas encontravam-se ali, desde doenças físicas às doenças mentais. Havia também quem tivesse a pouca sorte de possuir um pouco das duas, algo dificilmente controlável.
Sem que ninguém tivesse a culpa de nada, os bramidos e gemidos porém, estavam constantemente presentes. Porque, embora, todos nós estivéssemos ali para sermos ajudados, também nos encontrávamos lá para ajudar em tudo o que pudéssemos. Pois não existe ninguém no mundo que não necessite de ajuda, ou algum tipo de apoio, seja ele físico ou psíquico.
A maioria das pessoas vêem os deficientes como sendo todos iguais, mesmo sem tentarem compreender as diferenças, sim, porque elas existem embora, por vezes, invisíveis à primeira vista. Qualquer pessoa, por menos que queira, é portadora de, algum tipo, de deficiência, mais ou menos visíveis, com necessidades, maneiras e gostos diferentes mas sempre presentes…

Uma rosa sem espinhos, nunca será uma rosa verdadeira, por isso, o destino para ser válido tem que possuir espinhos…

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